quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

TRAIÇÃO


“...Te perdôo Por contares minhas horas Nas minhas demoras por aí Te perdôo Te perdôo porque choras Quando eu choro de rir Te perdôo Por te trair”

Chico Buarque – MIL PERDÕES



Há um fantasma que assola a vida de muita gente, ele se chama: Medo de ser traído. Não é o fato da traição em si, mas o medo de que um dia a traição bata à porta. É uma fantasia que persegue e tira o sono de muitos homens e mulheres de toda e qualquer idade. Com este sentimento na cabeça a vida ganha um outro foco: cuidar do que o outro está fazendo, e muitas vezes enxergar cenas de traição em lugares inexistentes. A pessoa desfoca de si mesma e sua atenção fica totalmente focada no outro. Ela por longos períodos do dia se esquece de si. O ciumento obsessivo, por exemplo, vê a traição em qualquer lugar. Esquece que para trair é preciso certa disponibilidade de tempo. Há de se ter tempo para o (a) amante, para encontrá-lo (a) na clandestinidade do dia. Sim, preferencialmente do dia. Já que raramente a alforria de um dos pares que compõe um casal ocorrerá à noite. A racionalidade diz que para amar é preciso liberdade, e que o amor só perdurará nela. Os pássaros voltam às nossas mãos quando a deixamos abertas! Fácil falar isto! Porém, para aqueles que sofrem do medo da traição a racionalidade não funciona. O medo de ser traído é irracional. Assim como muitos têm medo de assistir a um filme de terror, embora saibam que o sangue é feito de “ketchup” e as cenas ensaiadas, outros tem medo de ser assaltados ou vítimas de seqüestros, embora nunca tenha sofrido nenhum mal estar deste tipo. A verdade é que medo é medo! E como lidar com o medo? A receita é ao mesmo tempo simples e muito difícil de ser praticada: Medo a gente enfrenta! Quando se tem medo de dirigir é preciso contratar um profissional que nos auxilie a perder o medo. Demora, mas um dia o medo vai embora. Sentir medo por si só já é um exercício solitário. Ele vive na nossa imaginação e tem o poder de fantasiar as piores cenas. Lidar com o medo, e claro isto dependerá de seu tamanho, requer ajuda profissional sim senhor. É um processo longo como tudo na vida. O medo de ser traído não apareceu de repente, e de uma hora para outra na cabeça de ninguém. Ele tem a ver com experiências anteriores de perda. Até a morte de alguém querido é entendida por algumas pessoas como uma traição. Quantas vezes na minha vida profissional eu já ouvi: Ele(a) me traiu porque morreu e me deixou abandonada(o)! O medo de ser traído é um reviver algo muito dolorido. Portanto, é preciso ir ao âmago da questão. Já que se o medo não for visto em sua causa original ele poderá se manifestar através de outros sintomas, até somáticos. Medo é medo, a mais primária emoção humana! Serviu por muito tempo para nos precaver de vários perigos. O medo do “bem”, digamos assim, é chamado de prudência. Quando sentimos medo nossa parte animal prevalece e temos duas reações ancestrais: ou paralisamos ou corremos. No medo da traição ocorre a mesma coisa. No processo de paralisação a tendência é vivenciar fantasias de traição, comentar com pouca gente e preferencialmente com pessoas que partilhem do mesmo medo. Neste caso não há uma checagem com relação aos fatos. A pessoa fica obcecada. Faz mil e um tratamentos para ficar bonita e desta forma acredita que nunca será traída, por exemplo. Acha que a beleza garantirá que o outro não lhe traia. Ou então tenta se enquadrar a todas as expectativas alheias assumindo comportamentos submissos: nunca pergunta nada, por receio de ser cobradora ou cobrador; fingi que não enxerga ou justifica o comportamento do outro, quando evidências de traição estão bem à frente de seu nariz; etc. Enfim, não coloca nunca as cartas na mesa. Todo e qualquer relacionamento depende de contratos e negociações constantes, e isto é feito através de conversas. Os seres humanos se relacionam conversando tranquilamente, sem esta coisa idiota da mídia de “discutir a relação”!. Não se discute a relação, se vive uma relação através de conversas. O sexo não sacia todas as necessidades humanas. Só conversando que a gente se entende! Embora o medo da traição abarque todo e qualquer tipo de relacionamento, focarei aqui a relação entre casais. Hoje em dia as formas de se relacionar são variadas. E traição é o tipo de assunto que deverá ser abordado claramente no contrato entre um casal. Não adianta ficar imaginando coisas, é preciso conversar sobre elas. Um casal pode optar, por exemplo, em manter um relacionamento aberto no qual cada um tem o direito de ter quando quiser outro ou outros parceiros. Tudo aberto e claro! Outros podem optar pela fidelidade, mas isto também deverá ser conversado e acordado. De nada adianta, por exemplo, um homem dizer à sua mulher: Eu gosto de variar! E ela achar que este homem irá mudar, só porque ela assim o deseja. Isto é ilusão! Cada casal tem a sua marca registrada, o seu jeito particular de funcionar, e a ninguém compete julgar se ambos estão certos ou errados. O mesmo se dá nas relações com os filhos, amigos, etc. Claro, que para tudo há uma conseqüência. Se o pacto do casal é a fidelidade, talvez o outro não tolere ou perdoe uma traição, mesmo que eventual. Isto poderá ser negociado, mas dependerá do casal. Em matéria de relacionamentos não há uma cartilha a seguir. Perguntas do tipo: E se ele (a) me trair o que faço? Não podem ser respondidas por uma manual ou num fórum na internet. Cada um é dono de suas escolhas. Perdoar uma traição e passar o resto da vida com medo de ser traído novamente nem sempre vale a pena. Restringe a própria vida, quem assim age. A segunda reação ao medo é o correr. Quem corre do medo de ser traído, poderá negar este medo dizendo, por exemplo: Eu não sinto e nem nunca senti ciúmes! Ciúmes é um sentimento normal do ser humano. A palavra significa etimologicamente zelo. Não confundir com o ciúme obsessivo ou patológico! Acho interessante como muitas pessoas julgam aqueles que têm medo de ser traído dizendo que estas pessoas são possessivas. Sim, quem não é possessivo que atire a primeira pedra! Temos medo de que nosso lindo carro seja roubado. Temos medo de emprestar aquele vestido novo para uma amiga. Temos medo de perder o emprego, mesmo tendo um chefe insuportável. Temos medo que a empregada quebre aquele bibelô horrível que compramos em uma viagem. Mas achamos que o outro não deve ter medo de ser traído, pois isto expressa posse! Baita contradição. Concordo que não temos o poder sobre ninguém, e nem sequer controlamos as ações das outras pessoas sejam elas nossos filhos, amigos ou parceiros, mas esperar que o outro não zele (sinta ciúmes!) é muito para a cabeça. Seres humanos são possessivos, ou melhor, cuidam daquilo que é deles, incluindo coisas e os relacionamentos com os outros. Isto se chama capacidade de formas e manter vínculos. Lembrei agora de uma entrevista que assisti há algum tempo no programa do Jô Soares. No programa Regina Navarro Lins era a entrevistada, e falava sobre a nova edição de seu livro “Com a cama na Varanda”, que continha ingredientes sobre o amor moderno: bissexualidade, poliamor...Enquanto ela discursava sobre o não apego no amor na modernidade, e a pouca importância que hoje se dá à traição, comprovada segundo ela através de pesquisas científicas,o Jô Soares fazia uma cara de poucos amigos. De repente ele num relance pergunta à sua platéia: Quem aqui não se importaria de ser traído levante a mão? A platéia emudecida não levantou a mão. Apenas um rapaz a levantou e disse não se importar com traição, pois não gostava de se apegar a ninguém! Posso concluir pela minha experiência profissional como psicóloga e usando a platéia do Jô Soares como amostra, que pouca gente está preparada para ser traída aqui no Brasil, pelo menos. Porém, ter medo e ser assombrado por uma traição requer medidas de ajuda profissional, sem a menor sombra de dúvida. Já que o sofrimento envolvido neste tipo de sintoma é grande. Além disto, é preciso ficar atento a fim de verificar os dados reais. Embora não seja adepta de "dicas" , vou sugerir algumas medidas aos que sofrem com o medo da traição:
Conversar abertamente sobre o assunto com o (a) parceiro (a). Estabelecer um contrato para ambos: Trairemos? Não trairemos? Se contratarem, não trair, lembre-se que “pisar na bola” é infringir a confiança estabelecida.
Respeitar os seus próprios limites. Primeiro saber quais são. Não se iludir com aquilo que está em revistas, e até em livros. Siga a sua percepção, amor-próprio e respeite a si mesmo.
Cuidar de si mesmo. Tenha os seus próprios interesses. Busque ser interessante para si, antes de ser para os outros. O outro ou outra não é um pedaço de você, por mais romântico que isto possa parecer!
Não aceite desculpas esfarrapadas e constantes. Quem trai precisa de horário para trair!
Há uma mudança de comportamento no traidor. Mulheres são mais perceptivas para estes sinais. Homens nem tanto, apesar do número de mulheres que traem ser hoje quase igual ao dos homens.
Beleza e sexo não são tudo. Ninguém trai a mulher que tem afinidade apenas por uma “gostosa”. Há muito a perder nesta questão chamada “afinidade”, só um ser visivelmente e compulsivamente imaturo faz isto. Don juanismo denota imaturidade afetiva.
Ninguém trai devido ao outro, a não ser por vingança! Portanto, menos culpa e mais amor próprio. Quem trai por vingança também não teve lá muita habilidade em conversar abertamente com o outro sobre o assunto!
Confiar não significa ser cego! Atenção, atenção e atenção. Se você é apenas atento não ficará obcecado tentando descobrir o que o outro está fazendo quando não está com você.Lembre-se que ilusões são nuvens de fumaça à nossa frente e que distorcem a realidade. Mais pé no chão! A verdade é na maioria das vezes libertadora, não traia a si mesmo!


Autoria: Suely Pavan

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